A Semana Santa


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Achando canto pra mim
No final do cortejo dois Karetas me chamaram no canto e a conversa foi bem curtinha. Sem tirar a máscara e sem mudar a voz pra não entregar a identidade falaram comigo.
- Ei a gente faz a festa lá em cima, na Serra, também, quer ir ver?
- Tem canto pra eu dormir?
- Tem! Dorme lá em casa!
- Pois
Em nenhum momento os Karetas tiraram a máscara ou usaram as suas vozes de gente pra falar comigo (Kareta é meio bicho, aprendi um tempo depois). Isso poderia ter dificultado um pouco a minha situação já que eu teria que procurar pelas pessoas depois, mas eu não estava realmente pensando nisso naquele momento. Na quinta tava lá eu e Camilla. Conhecemos Itamar e João (os Karetas que fizeram o convite) e o povo de Serra Areias. De quinta até domingo vivi a festa com eles. No final, combinamos que na festa seguinte vinha eu e minha turma junto. Assim foi.
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Filmar o mistério
Não deixo de ver a aproximação entre a transformação da semente em alimento que acontece na terra e a transformação da morte em vida proposta pela ressurreição de Jesus Cristo. Olhando assim, de uma certa forma, estamos todos celebrando a vida se renovando. Tendo sido eu criado a base de rezas, chás de ervas, infusões, promessas para santos, catequistas e milagres, vejo beleza em tudo. E vejo mistério.
Filmar uma celebração assim é de certa forma se envolver com esse mistério sem o desejo de solucioná-lo. Acredito que perspectiva científica (talvez fosse melhor dizer de uma perspectiva científica) de entender e superar a natureza embriague a maior parte da nossa percepção do mundo e isso tem nos desconectado da natureza. Talvez o filme tenha mais a dizer se, de alguma forma, continuar tão misterioso quanto o homem por debaixo da máscara de Kareta. Talvez seja por aí mesmo.
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